E, Ó VENTO... NA VÉSPERA

E, ó vento vago
Das solidões,
Minha alma é um lago
De indecisões.

Ergue-a em ondas
De iras ou de ais,
Vento que rondas
Os pinheirais!
                            Fernando Pessoa


Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe escolher ombros
Por tudo isto, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberado a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre.
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!

Álvaro de Campos, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa

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